
Pela primeira vez o Tribunal Superior do Trabalho (TST) reconheceu a existência de vínculo empregatício entre o motorista de aplicativo e a empresa Uber. A decisão foi proferida pela 3′ Turma, e diverge do entendimento proferido em meados de 2020 pela 5′ Turma. A discussão, portanto, está longe de ser pacificada, sendo necessário uma decisão definitiva pelo TS. Mas você sabe quais seriam os impactos dessa decisão na prática?
O vínculo trabalhista ocorre quando é observada a existência de quatro requisitos entre o empregado e o empregador, quais sejam (i) subordinação, (ii) onerosidade, (iii) pessoalidade e (iv) não eventualidade. No tocante à primeira, esta ocorre quando é verificada uma relação de hierarquia entre o funcionário e seu coordenador, já a segunda faz referência à uma contraprestação, ou seja, o funcionário presta um serviço e recebe uma remuneração por isso, que será chamada de salário. Quanto à pessoalidade e não eventualidade, essas ocorrem quando o empregado realiza suas atividades de forma pessoal, não podendo se fazer substituir por outro, de forma habitual, ou seja, por exemplo, todos os dias.
Isto posto, para que haja vínculo trabalhista entre o contratante e o contratado, é necessário que o funcionário exerça suas atividades de forma subordinada, sob supervisão, pessoal, não se fazendo substituir por outro, habitualmente e com intuito de receber, ao final, uma contraprestação pelo seu serviço. Mas o que significa, na prática, esse vínculo trabalhista? Significa que a relação entre as partes será regida pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). ou seja, o empregado fará jus há inúmeros benefícios obrigatórios como, por exemplo, décimo terceiro, férias remuneradas, depósitos de FGTS, seguro-desemprego, vale transporte e adicional noturno.
Com esses preceitos basilares explicados, discute-se a possibilidade de enquadramento do motorista de aplicativo como empregado e da empresa Uber como empregadora. Como dito alhures, pela primeira vez o TST reconheceu o vínculo trabalhista entre os dois, isto é, que o motorista da Uber faz jus à todos os direitos previstos na legislação trabalhista. Contudo, a questão não está ainda pacificada no judiciário, podendo, portanto, ser realizados alguns questionamentos: a Uber trata-se de uma empresa de transporte ou de tecnologia? Existe subordinação entre o motorista e o aplicativo? O serviço prestado pelo motorista é eventual ou habitual? Há pessoalidade?
A Uber, em sua defesa, alega ser uma empresa de tecnologia e não de transporte, considerando que facilita o tráfego de pessoas, não sendo responsável pelo transporte em si, e sim pela plataforma facilitadora do serviço. Dessa forma, quem a contrataria seria o motorista, aceitando, portanto, uma intermediadora que lhe traria clientes através da plataforma mediante retenção de 20% a 25% da taxa das viagens. Por outro lado, observa-se que a finalidade do aplicativo, acaba sendo o transporte das pessoas, bem como o aplicativo não existiria se não houvesse a demanda deste serviço pela sociedade. Apesar de haver argumentos interessantes para ambas as partes, para a 3′ Turma do TST a Uber se trata, de fato, de uma empresa de transporte.
Quanto ao fator subordinação, o entendimento foi de que, apesar de não haver uma fiscalização pessoal e tradicional como conhecemos, subsiste uma subordinação algorítmica, proveniente da fiscalização 24 horas exercida pelo aplicativo, que pode, inclusive, determinar a exclusão de um determinado motorista de sua plataforma caso não esteja recorrentemente transportando passageiros. Não bastasse, o aplicativo fiscaliza diretamente as atividades exercidas pelo motorista, podendo até mesmo penalizá-lo quando denunciado por um cliente. A defesa da Uber, por sua vez, destacou que o motorista é detentor de ampla autonomia, podendo descansar quando quiser, escolher seu horário de trabalho, podendo ficar offline da plataforma quando bem entender sem ser penalizado por isso e que, portanto, não há subordinação, além de não receber ordens e não precisar prestar relatórios acerca de seu rendimento. Para a 5′ Turma do TST, esse foi o argumento central para afastar o vínculo de emprego.
Há, de igual forma, dúvidas quando à habitualidade do motorista do aplicativo, considerando que este pode realizar as corridas quando bem entender e na frequência que desejar, sem ser punido pela Uber por isso, inclusive arcando com a manutenção de seu próprio veículo. Nesse sentido, poderia o motorista realizar sua função de forma eventual, afastando, assim, o requisito de habitualidade e, consequentemente, o vínculo trabalhista. Foi esse também o segundo argumento da 5′ Turma do TST para afastar o vínculo de emprego. Contudo, não foi este o entendimento da 3′ Turma da Corte Superior, que reconheceu a habitualidade do motorista, considerando que este exercia, comprovadamente, sua função todos os dias. No tocante à pessoalidade, também foram tecidas inúmeras digressões, em especial alegou-se que a Uber não realiza entrevistas de emprego, não sendo necessárias qualificações para exercer o serviço. Ademais, sob um viés utilitarista, temse que não faz diferença ao cliente qual motorista irá o atender e levá-lo ao local desejado, não havendo, portanto, pessoalidade na prestação do serviço.
Novamente, o entendimento da 3′ Turma do TST não foi nesse sentido. Indicou-se que, na plataforma, consta expresso o nome e identificação do motorista, e que este não pode se fazer substituir por outro. Inclusive, nesse sentido, é enviada ao cliente mensagem, para alertá-lo acerca de possíveis golpes e recomendando sempre confirmar se tratar do mesmo motorista constante da plataforma antes de adentrar ao carro, podendo o motorista ser desligado da plataforma caso se faça substituir por outra pessoa. Ademais, conforme o relator do caso, o cadastro do motorista junto à plataforma foi realizado mediante cadastro individual, com apresentação de dados pessoais e bancários, além de ser submetido a um sistema de avaliação individualizada, qual seja as notas atribuídas pelos clientes. Para o STJ, configurou-se, assim, a pessoalidade na prestação do serviço.
Presentes, portanto, na visão da 3′ Turma do TST, os quatro requisitos ensejadores de relação empregatícia, restou inidôneo o vínculo trabalhista presente entre o motorista e a empresa. As implicações de uma possível estabilização da referida decisão no judiciário brasileiro são enormes, a própria Uber teria de amoldar seu sistema inteiro, para garantir que seus motoristas estivessem cobertos pelos direitos trabalhistas constantes da CLT, o que, por óbvio, acarretaria uma grande realocação de seus recursos ou até o encerramento de suas atividades no país.
Muitos foram os argumentos e debates trazidos ao judiciário e, de fato, a matéria ainda causa divergência, estando longe de estabilização, em especial por haver clara divergência entre as turmas do TST (3′ e 5′ Turmas). Contudo, o primeiro reconhecimento do vínculo trabalhista pelo TST é um grande marco para o Direito e para o Direito do Trabalho, com toda a certeza o assunto ainda será muito debatido, diante dos seus reflexos econômicos e sociais.
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